O clima do Brasil é marcado por uma vasta diversidade, principalmente devido à presença de seis biomas. Só o Cerrado está em aproximadamente 23% do território nacional, com presença na região Central do país e também em parte do Triângulo Mineiro.
No entanto, o bioma também é uma dos mais ameaçados e negligenciados. E o aquecimento global está agravando a situação, fazendo com que o Cerrado entre cada vez mais em períodos de seca intensos.
O último relatório climático da Organização das Nações Unidas (ONU) mostrou que os efeitos do aquecimento global têm afetado algumas de suas áreas, principalmente na região Central brasileira, onde o aumento de temperaturas é cerca de 1°C acima da média global.
Já de acordo com o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), 2023 foi o ano mais quente já registrado na história, e uma nova pesquisa indica que 2024 pode superar essa marca.
Ao aumento da temperatura, soma-se também o período de secas prolongadas - já comum no Cerrado. No entanto, a projeção também é de novos recordes.
O que é o Cerrado?
Também conhecido como o bioma das flores, o Cerrado é o segundo maior bioma brasileiro (ficando atrás somente da Amazônia) em extensão e a savana mais rica do mundo em biodiversidade.
O clima predominante é o tropical sazonal, caracterizado por temperaturas quentes com períodos de chuva e seca. A vegetação é semelhante à de outras savanas, composta por árvores baixas e desordenadas, com troncos retorcidos, folhas grossas e raízes longas, além de muitos arbustos.
Um dos maiores destaques do bioma é sua função ter ser um depósito natural de carbono. A bióloga e engenheira ambiental Danúbia Magalhães Soares explica isso com a expressão comum entre ambientalistas, de que "O Cerrado é uma floresta de cabeça para baixo":
"Embora a maior parte da vegetação nativa do Cerrado seja composta por árvores baixas e espalhadas ao longo de um ‘tapete’ de vegetação rasteira, sob a superfície do solo existe uma imensa rede de raízes que formam estoques de carbono bastante relevantes."
Danúbia destaca que, "por ser a savana com maior biodiversidade do planeta, onde cerca de 40% das espécies de plantas são endêmicas, ou seja, encontradas apenas ali. Este bioma é essencial para a reprodução cultural e a subsistência de diversos povos originários e comunidades tradicionais."
E com o impacto das mudanças climáticas, o carbono estocado na vegetação acaba sendo liberado na atmosfera na forma de gases de efeito estufa, seja por decomposição ou queimadas.
"Assim, o bioma, além de perder biodiversidade, passa de sumidouro de carbono a emissor de carbono," afirma.
Por que o cerrado está aquecendo?
Historicamente, os meses de maio a setembro são marcados por períodos de seca, quando as temperaturas se elevam e a umidade relativa do ar diminui.
Os professores de geografia e ciências agrárias Rildo Aparecido e Samara Carbone afirmam que, no Cerrado do Triângulo Mineiro, pode-se observar uma leve tendência de aumento gradual do período seco desde a década de 1970.
O climatologista Ruibran dos Reis também observa esse aumento de temperatura, destacando dados mais recentes de 2024 e 2023 - só no último trimestre de 2023, a região foi atingida por três grandes ondas de calor.
A situação gera uma queda na média de umidade relativa do ar, que chegou a médias de 9% a 12%, números típicos de desertos - bem abaixo da média da região, que varia entre 30% e 20%, segundo o Inmet.
Com a constância nas baixas de umidade, as temperaturas tendem a continuar aumentando ao longo dos anos: "É essa sequência de dias quentes tendem a aumentar junto às temperaturas que também vão aumentar”, explica Ruibran, que também correlaciona a situação com os bloqueios atmosféricos:
' Vale ressaltar que a falta de chuva não é necessariamente sinal de seca, ou não deveria ser. Com as mudanças climáticas, tudo se torna imprevisível. A única certeza são os extremos. É assim que o aquecimento global atua, nos extremos, com grandes temporais ou grandes secas', ressalta.
Aliado a estes primeiros fatores, o desmatamento da região também tem contribuído cada vez mais para esse aquecimento, com a intensificação das queimadas.
Tipos de queimadas
Uma vegetação como o Cerrado costuma ter queimadas naturais, como as causadas por descargas atmosféricas durante tempestade, que fazem parte do ciclo ecológico da região.
No entanto, queimadas causadas pela ação humana são prejudiciais ao meio ambiente. De janeiro a maio de 2024, o Corpo de Bombeiros registrou mais de 320 incêndios florestais.
"A ocorrência de fogo, quando repetida em curtos intervalos de tempo, não permite a recuperação do ecossistema. Isso pode causar a degradação do solo e levar ao colapso do ecossistema", explica a bióloga Danúbia Magalhães Soares.
Com as mudanças climáticas e a ação humana, os incêndios descontrolados estão se tornando mais frequentes, ocorrendo principalmente durante períodos intensos de seca, resultando em fogo de maior intensidade e com temperaturas mais altas, com chamas que podem atingir a copa das árvores.
“Isso significa que esses incêndios podem invadir até mesmo ecossistemas cuja vegetação não é adaptada ao fogo, como os ecossistemas úmidos, que também funcionam como refúgio para a fauna. Nesses locais, a mortalidade de plantas e animais será ainda maior, podendo levar à desertificação do bioma”, afirma Danúbia.
Estimativas
Desde 2017, a ONU tem lançado apelos pela conservação do meio ambiente para evitar a desertificação dos ecossistemas. Estima-se que, entre 1900 e 2020, as secas tenham impactado 2,7 bilhões de pessoas no mundo, resultando em 11,7 milhões de mortes.
Isso mostra a importância de preservar o meio ambiente e, sobretudo, proteger a maior biodiversidade do mundo.
Por que devemos preservar?
Sem a vegetação nativa do Cerrado, a evaporação da água no solo se torna mais intensa, ele se compacta e perde a capacidade de infiltração - características de em processo de desertificação.
“Mesmo com sua evidente relevância, inclusive para a manutenção do equilíbrio hídrico em diversas regiões do país, o Cerrado tem sido um dos biomas mais negligenciados, com crescentes taxas de desmatamento e pouquíssimas unidades de conservação,” acentua a bióloga e engenheira ambiental Danúbia Magalhães Soares.
Os professores Rildo Aparecido e Samara Carbone também alertam sobre a importância de preservar o bioma:
'Se continuar do jeito que está, as secas se tornarão tão intensas que é provável que aumente o número de dias consecutivos sem chuva ao longo do ano, o que causará diversos transtornos e impactos negativos para a população, economia e a biodiversidade como um todo.'
Fonte: G1 Triângulo Mineiro