Em meio às complexidades da adolescência, a descoberta da sexualidade pode ser um labirinto emocional para muitos jovens, marcando um capítulo profundo de suas vidas. O desafio pode ser ainda maior quando uma mãe, distante de compreender um fato tão revelador, se vê na necessidade da busca por apoio e respostas para uma narrativa pessoal.
Quando a filha de Kelly Galbieri contou sobre sua orientação sexual, ainda na adolescência, a advogada travou. Sentiu vergonha, receio pelos futuros comentários de amigos e família, mas, principalmente, medo do perigo que a filha sofreria nas ruas. Em meio à mistura de sentimentos, ela também precisou lidar com um preconceito até então internalizado.
“É muito engraçado, todo mundo acha que não é preconceituoso [...]. Eu achava que eu não era preconceituosa, eu sempre fui de direitos humanos, ia na cadeia para cuidar de presos, eu trabalhava na defensoria para fazer a defesa de presos, sabe? Eu sempre fui aquela pessoa que acolhia pessoas diferentes na escola, mas quando chega na casa da gente, é diferente’", afirma.
Após saber que a filha era lésbica e não binário, a mãe não tocou no assunto por dois anos. Neste período, viu a filha partir para os Estados Unidos, país onde futuramente conheceria sua atual esposa. Foi após viajar para conhecer a nora que a mente de Kelly mudou.
“Quando eu conheci a esposa dela, eu tive certeza de que ela tinha tomado a melhor decisão da vida dela, porque elas têm hoje 10 anos de casadas. Elas se dão muito bem, têm um respeito muito grande uma pela outra [...] Quando eu comecei a procurar entender e conhecer um pouco, nossa, que diferença faz se a minha filha casou com homem ou casou com mulher? Ela é feliz? É. E é isso que importa pra mim”, afirma.
Após conhecer a esposa da filha, um novo propósito de vida nasceu para Kelly: acolher pais que passaram pela mesma situação para que os mesmos possam acolher seus filhos da comunidade LGBTQIAP+.
Em 2017, a moradora de Jundiaí (SP) passou a ler sobre o assunto, mas também a aplicar o conhecimento na prática. Encontrou o projeto “Mães pela Diversidade”, um grupo que nasceu na capital paulista há 14 anos e que já se espalhou por 17 estados.
Nele, mães destes jovens trocam ideias, experiências, conselhos pela internet e em reuniões. Foi durante estes encontros que Kelly não apenas compartilhou seus medos e receios, como também pôde ajudar outras mães a abraçarem seus filhos e passarem a lutar por seus direitos.
“Eu fui procurando pessoas que tivessem a mesma história que a minha para poder entender, para poder acolher melhor a minha filha. Aí conheci o projeto. A comunidade em si é muito corajosa, porque enfrenta a família, enfrenta a escola, enfrenta trabalho, enfrenta a sociedade. Não é justo que ele minta pra si durante a vida toda só pra agradar os outros. Viver uma vida paralela… E quantos [vivem]. É muito triste isso”, diz.
Os encontros, segundo Kelly, são realizados na capital e colaboraram para que a relação com a filha melhorasse. Enquanto participava do “Mães pela Diversidade”, ela conheceu a coordenadora do projeto, atual amiga e parceira de novas ações, Isaura dos Santos.
Nova fase, novos projetos
Poucos meses depois, Kelly e Isa passaram a trabalhar juntas e expandiram as ideias: além de acolher apenas os pais, passaram a abraçar também os jovens com dificuldade de aceitação e que ainda estão na fase de entender sua própria sexualidade.
Os projetos, que fazem parte do Núcleo de Articulação de Políticas Públicas da prefeitura de Jundiaí, contam com encontros mensais entre seus respectivos públicos-alvo. À eles, deram os nomes de “Amor Vence” e “Primeiros Passos”, que já existem há seis anos.
“O Amor Vence busca acolher as mães que estão com dificuldade na aceitação [...] Principalmente quando são crianças e adolescentes trans, as mães têm uma dificuldade muito grande, é um luto que a gente fala. Um luto simbólico, mas um luto”, inicia.
“A gente acaba se encontrando para que elas vejam que todas essas mães que estão no grupo passaram pela mesma coisa. Ela não tá sozinha. Depois a gente chega em uma fase onde a gente fala ‘ok, tanto faz, tudo bem’. Ela vai chegar nisso também”, completa.
Já o programa “Primeiros Passos” é voltado para jovens que estão no processo de compreender a própria sexualidade. Os encontros mensais são realizados sempre no primeiro domingo do mês e buscam promover o encontro de pessoas que passam pela mesma situação e criar uma rede de apoio.
Fonte: G1 Rio Preto