Talvez uma das leis mais comentadas atualmente seja a Lei Maria da Penha. Temida por uns, desrespeitada por muitos, ela veio para mudar de vez o cenário jurídico com relação aos direitos das mulheres. Extremamente importante e fundamental para a nossa sociedade, será ela o tema central deste artigo.
A Lei 11.340/06 (Lei Maria da Penha - LMP) foi criada visando a preservação dos direitos das mulheres vítimas de violência doméstica e familiar. Ou seja, trouxe mecanismos de proteção exclusivos às pessoas do sexo feminino que sofrem qualquer tipo violência, tanto por meio de ação quanto por omissão. Esta violência abrange o sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial. As agressões físicas podem gerar crimes graves, como o feminicídio (assassinato da mulher).
Importante ressaltar que, para serem abarcados pela Lei Maria da Penha, os fatos (v.g. agressões) devem ser baseados no gênero. Segundo a autora Alice Biachini, a violência de gênero seria aquela que “decorre de uma relação de poder de dominação do homem e de submissão da mulher” e “esta relação de poder advém dos papéis impostos às mulheres e aos homens, reforçados pela ideologia patriarcal, os quais induzem relações violentas entre os sexos, já que calcados em uma hierarquia de poder”.
A primeira dúvida que sempre surge é: somente mulher é protegida pela Lei Maria da Penha? Isso não seria injusto com os homens, afinal, o artigo 5º, I, da Constituição assegura que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações? A resposta é simples: sim, somente mulheres são protegidas. Não, não é injusto e não afronta a Constituição. Em razão das diferenças existentes entre os sexos, sejam elas culturais, históricas, a lei precisa proteger de maneira mais intensa a mulher para que ela esteja realmente em pé de igualdade com os homens.
A história das relações domésticas, familiares e de afeto sempre foi centralizada na figura do homem. Ele sempre teve o poder de decisão sobre as suas propriedades e sobre as pessoas que orbitavam sua vida, o que inclui sua companheira, filhas e enteadas. Por essa razão, muitos se sentiram no direito de se valer da violência para demonstrar o domínio sobre as mulheres, as quais enxergavam como inferiores e a eles subordinadas.
Com a evolução e a luta pela mudança do então cenário de desigualdade reinante, as mulheres conseguiram algumas vitórias, com a criação de legislações que auxiliaram na superação das diferenças históricas e que buscavam a real igualdade com os homens. A Lei Maria da Penha é um importante exemplo de legislação assecuratória do nivelamento de direitos entre os sexos. Foi criada justamente para acudir a mulher, objetivando oferecer proteção e vencer a desigualdade em relação ao homem, sem afrontar a Constituição, mas sim cumprindo integralmente suas diretrizes.
Uma segunda dúvida surgida diz respeito à abrangência da LMP. Ela protegeria somente mulheres casadas? Como ficariam os casos envolvendo namoros e união estável? E a relação pai e filha ou padrasto e enteada?
A LMP, em seu artigo 5º, foi bem abrangente, compreendendo as relações no âmbito doméstico, considerado o “espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas”. Por exemplo, uma mulher amiga de uma família, que viva na casa desta – ainda que por período passageiro – uma vez sendo agredida por homem, que também viva no mesmo ambiente doméstico, será protegida pela LMP.
As relações no âmbito familiar também são alcançadas pela LMP. Por família, a Lei entende ser “a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa”. Uma agressão de um padrasto dirigida a uma enteada, por exemplo, estaria protegida pela LMP.
Por último, também é protegida a mulher agredida em “qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação”. Nesse caso estariam incluídas as relações de convívio e as esporádicas, como os namoros, por exemplo.
Obviamente que são diversas as situações que se enquadram nas definições descritas, os exemplos representam apenas uma ilustração da abrangência da Lei. Assim sendo, identificada agressão contra uma mulher, baseada no gênero, o que deve fazer a vítima? Qual a proteção oferecida pela Lei Maria da Penha?
De imediato uma informação é importante: a LMP não trouxe em seu texto a previsão de nenhum crime. Ela consiste em um conjunto de medidas de proteção às mulheres vítimas de crimes previstos em outras legislações, como o Código Penal.
Dessa forma, respondendo à indagação, ao ser agredida fisicamente pelo seu marido, por exemplo, a mulher deverá procurar a Delegacia de Polícia para o registro de boletim de ocorrência (REDS). Após, será ouvida e poderá requerer as medidas protetivas previstas na LMP, que são obrigações direcionadas ao agressor, tais como: afastamento do lar, proibição de contato com a ofendida e seus familiares, proibição de freqüentar determinados lugares, entre outras.
Durante atendimento na Delegacia, poderá também, caso esteja lesionada, ser atendida para realização de exame de corpo de delito. Outra providência possível é a der ser acompanhada por equipe policial para retirada de seus pertences de sua casa.
Por derradeiro, alguns outros fatos interessantes precisam ser lembrados sobre violência doméstica e familiar:
- Deixar a residência em virtude de estar sendo agredida - seja por violência física, por palavras, ameaças psicológicas, entre outras formas - não configura abandono de lar e não interfere na questão patrimonial do imóvel. Lembrando que a mulher (vítima) deve procurar a Delegacia para o registro da ocorrência de agressão (REDS);
- Se porventura possuir uma medida protetiva contra seu agressor e ele estiver descumprindo as obrigações impostas, a mulher (vítima) deve procurar a Delegacia de Polícia para informar tal fato, pois existe a previsão de mecanismos para essa situação na LMP, podendo gerar até a prisão do agressor;
- Caso tenha medo de comparecer à Delegacia e denunciar a agressão, a mulher (vítima) pode fazer isso de maneira anônima pelo telefone 181 (disque denúncia) ou pela central de atendimento à mulher, pelo telefone 180;
Não aceite agressão, denuncie!
Bruno Giovannini de Paulo
Delegado de Polícia
Especialista em Direito Penal e mestrando na UNIVEM
Murilo Cézar Antonini Pereira
Delegado de Polícia
Especialista em Ciências Penais e aluno especial do curso de mestrado na UNIVEM